A cona enquanto metonímia



Alberto Hernando
Cunnus. Repressão e Insubmissões do Sexo Feminino
2ª ed., 1999
Lisboa, Edições Antígona
(tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra)

Capa: Antígona, sobre píntura de Christian Schad, As Amigas, 1930


A cona, a partir do paradigma masculino, é um espaço paradoxal; alheado como parte física do corpo feminino, desencadeia inúmeras fantasmagorias sexuais, exaltações desejos; presta-se-lhe homenagem ao convertê-la num objecto artístico ou mitificando-a; apalpa-se, lambe-se e cheira-se como requinte lúbrico; é temida e venerada... E também é denegrida, provocando proibições, nojos, vergonhas; é ocultada, atribuindo-se-lhe a origem de infinitas desgraças; é desacreditada, escarnecida e difamada; é vista como coisa depravada, impura e maléfica. As duas antinomias não constituem critérios separados. Podem coincidir – ou confundir-se – ao mesmo tempo. A sua lógica é arbitrária e reversível. (...)
Essas duas lógicas - atracção versus repulsa – fundam cultura e sociedade. Cultura enquanto os mitos, a literatura e a arte se ocupam da cona. Sociedade, ao suscitar leis, costumes, superstições, investigações médicas ou especulações psicológicas.

(...)

O deus ex maquina que provoca a violência e a perseguição contra a cona é o medo masculino que nasce do conhecimento da precariedade do seu próprio sexo face ao feminino. Medo atenuado traduzido em misoginias, medo exacerbado traduzido em machismos recalcitrantes. Medos inseparáveis do fascínio que ao mesmo tempo a cona suscita.
Esta ambivalência - repulsão/atracção - em relação ao sexo da mulher virtualiza-se na escrita através de subtis, grosseiros e incisivos poemas; bem como nos relatos onde se descrevem as diferentes espécies de erotismo. Dado que entre escrita e sociedade existe um vínculo causal e interactivo, não se deve esquecer que a ordem social impõe os seus códigos ao dizer: prescrevendo e proscrevendo; moralizando (em masculino) os valores e o sentido da linguagem. Os imaginários sociais sobre a mulher ganham assim corpo numa escrita condicionada. Certamente que a maior parte das conas - falando a partir da metonímia masculina que a assimila à mulher toda - vivem na anuência do seu domínio: submissas conas de débito maternal e conjugal; aborrecidas e murchas conas virginais; sacrificadas conas constrangidas a uma moral beata e conas mercenárias (prostituídas) de simples valor de uso. Mas um sector, cada vez mais amplo, de conas opta por diversas formas de insubmissão: conas conversas (femininos moderados que querem ser iguais - em direito e atitude - aos homens), conas perversas (feminismo fálico que quer impor-se aos homens) conas subversivas (feminismo utópico ou ácrata que quer anular a barreira dos géneros) e conas reversivas (malditismo feminino que faz girar essa barreira até que explode).
Os três primeiros casos são insubmissões que jogam com o desejo - para se valorizarem, impor ou particularizar - no interior de regras de jogo masculinas (ordem produtiva). O último caso (conas fatais) não se apoia em nenhuma declaração de princípios, impõe (seduz) a sua sexualidade como um desafio: demonstra o macho que és; vence-me sexualmente! Perante essa aposta o homem - de orgasmo limitado - nada pode fazer. Só as conas sedutoras escapam plenamente às ciladas de ordem sexista masculina. Mas que ninguém se iluda ou se engane: toda a insubmissão se caracteriza pela sua pontualidade, pela sua interinidade, pela impossibilidade de alcançar um estatuto permanente, porque a ordem masculina pode recuperar - enquanto não mudarem substancialmente as coisas - o seu domínio por outras vertentes não sexuais. No entanto, e apesar de tudo, o importante é a liberdade saborosa alcançada durante a insubmissão e não o posterior caminho do fim da fuga.


(negritos da minha responsabilidade)


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4 comments:

As conas virginais não são murchas nem, muito menos, aborrecidas. São rosadas e pulsantes de ansiedade; são frenéticas de anseios e promessas sonhadas; são imploradoras incansáveis como um pobre injustiçado que reclama o que é seu.

e lembrei-me agora que cona pode ser cano e naco, logo a cona é mais do que cona: se quiser, pode ser um naco de cano.

agora a pila, coitadinha, é o que é ou então, não é.

o professor marcelo irá falar deste livro na TV ?????????

Isto faz-me lembrar a politica Portuguesa.

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